TEATRO E/OU POLÍTICA
Espetáculo "REI NA RUA" sob o olhar de Míriam Fontana
“Quando cheguei na Praça do Coreto fui tomada por um entusiasmo ao acompanhar o aquecimento corporal, o aquecimento vocal e o esquenta com o jogo de malabares do Bando Golíardis. O grupo, reunindo para si a força e a energia necessárias para a realização do espetáculo, transmitia uma vibração que tocava a plateia.
A pipoca na Praça ajudou complementar a alegria das crianças na espera do início da apresentação. Sempre ouvi dizer que num evento aberto, se há pipoqueiro, o sucesso está garantido. O pipoqueiro pressente a chegada do público. No nosso caso, a pipoca foi uma gentileza de um apoiador. Vale o mesmo princípio. Ele sentiu a força do público.
A MOSTRA Pde TEATRO tem várias conquistas e acertos, e buscar todas as necessidades de estrutura da Mostra no comércio do bairro, foi um deles.
Na plateia, a presença de muita criança e suas famílias. Ouvi:
“Pai, isso é que é teatro?”
“É sim”
“Mas, aqui mesmo na rua?”
“Sim”
As árvores emolduraram o espaço cênico. À esquerda a quase indispensável barraca (praticamente todos os grupos de rua criam um espaço de coxia) e a sua frente, no cenário, um trono. Um trono “vivo”, com pés e braços, mas ao mesmo tempo também um trono de banheiro, reconhecível por seu assento. À direita, o espaço com os inúmeros instrumentos musicais.
No enredo, o conto “A Roupa Nova do Imperador” escrito por Hans Christian Andersen, é contado e depois recontado pelo Bando Golíardis. Sim, exatamente isso. O reconto com personagens medievais foi recheado com elementos da realidade atual.
Foi bonito ver duas meninas da plateia, enquanto o grupo fazia a abertura com a narrativa da travessia da trupe, realizarem os mesmos movimentos do elenco, tamanha a empolgação que sentiam.
O Bando, formado por 2 atores e 2 atrizes, com habilidades circenses e musicais, se revezavam nas inúmeras funções exigidas pelo espetáculo. Eram 4 que pareciam muito mais.
Havia uma alternância de sonoridades executadas ao vivo e músicas gravadas.
No enredo, a inserção da realidade que atualmente vivemos, impostos, inflação, violência policial, dominação pela fé religiosa, exploração do trabalhador(a):
“Trabalha, trabalha, trabalha e não sai do lugar, trabalha, trabalha, trabalha e não tem onde morar”.
Um apoiador disse: “isso não é teatro, isso é política”, e ficou indignado. Certamente esta pessoa restringe a função do teatro ao lazer e ao entretenimento. Mas de outras pessoas Rei na Rua arrancou gargalhadas. Pessoas que ao mesmo tempo se divertiam e também riam do jogo do poder desnudado.
E assim foi o espetáculo, a demonstração de que o Rei está nu.
Mas ainda tivemos mais três tempos para o final que encerrou a função na Praça.
Na alegria do Rei deposto, embalada por uma paródia de uma canção de Raul Seixas, emerge um novo sistema político, a democracia. Mas pela canção, ao invés de uma celebração em função do novo sistema político do poder que emana do povo, o eleito é um democrata fantasiado de popstar com a frase na costa:
“Abaixo a Monarquia, Acima a Mercadoria”. Mas espera, o que é a mercadoria se não a materialização do capitalismo, sistema predatório que está corroendo a vida no planeta?
Então o grupo aponta em outra direção, “vamos nos juntar em bando”. Sem dúvida, carecemos da reorganização social que se apoie na proteção do coletivo. Ao contrário, o capitalismo prega o sucesso do indivíduo.
Por último, um clamor ao Teatro de Contêiner e ao Teatro Vento Forte, grupos de teatro com um histórico extraordinário que agora estão sendo desapropriados de seus espaços em nome da especulação imobiliária. Sim, teatro é política.“
Fotos: Cenas Independentes




